Sou recantista-RENILDA D. VIANA
Crônicas urbanas, contos, poesias e muita dedicação
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Escolha entre a caneta e a marreta

Era sexta-feira, os alunos da professora Matilde seriam dispensados mais cedo. Um vazamento na tubulação de esgoto acabou causando sérios problemas para a escola. A água seria desligada. Não haveria como fazer o lanche, lavar a louça e também não teriam como realizar suas necessidades fisiológicas. A notícia causou euforia, em plena sexta-feira voltar para casa mais cedo, quem não quer? Ansiosos, os alunos começaram a organizar seus materiais. A professora Matilde, tratou logo de aumentar a lição de casa para se prevenir, caso o problema se estendesse. Óbvio que Joãozinho não ficou nada feliz, resmungando enfiou sua insatisfação na mochila junto com as recomendações da sua “amada” professora. Como era de prever, o comunicado aos pais trouxe o aviso que na segunda-feira também não teria aulas, pois o dia seria usado para fazer os reparos necessários na tubulação. Notícia bem recebida por todos, com exceção da professora que logo lamentou possível atraso nos “conteúdos” a serem trabalhados com a classe. Para seus alunos, um ótimo e longo final de semana.
Passado o final de semana prolongado todos voltaram para a escola com energias renovadas. O Joãozinho cheio de novidades sobre seus familiares que viviam lá pelas bandas de Minas Gerais. Pois é, a família do Joãozinho aproveitou o entupimento dos canos da escola para fazer uma visitinha aos parentes distantes. Foram três dias de muita comilança, muitas brincadeiras, banho de rio e tudo que a vida no campo podia oferecer. Aquela infinidade de lição de casa que tinha para cumprir ficou esquecida num canto qualquer da casa dentro de uma mochila cheia de insatisfações e recomendações da professora.
O trabalho na rede de esgoto seguia. Foi o final de semana inteiro cavando daqui e dali para encontrar o vazamento. O serviço se estendeu pela segunda-feira, como estava previsto, até que se descobriu que toda a tubulação estava muito antiga e teria que ser trocada, o que culminou numa semana de muitos reajustes para que as aulas não fossem cortadas totalmente. Ficou combinado que durante a reforma a escola funcionaria meio período.
Voltando a sala de aula da professora Matilde. Joãozinho não encontrou palavras para justificar a falta da lição de casa. Primeiro disse que não teve tempo, coisa que a simpática professora rebateu dizendo que se não havia tempo para os estudos, seus pais deveriam ser denunciados por exploração de menores. Justificou dizendo que seus pais trabalhavam e não tinham tempo para ajudá-lo com as tarefas escolares, logo foi rebatido com a sugestão de que seria melhor que seus pais saíssem do emprego para cuidar do filho. Sem saída, o menino confessou que aproveitou o final de semana prolongado para passear, esquecendo de vez a tal tarefa.
Depois de conferir que, igual ao Joãozinho tinha vários na sala, a professora Matilde tomou uma decisão inusitada. Convidou seus alunos a irem até a área externa da escola, presenciar o trabalho dos funcionários da Empresa da Rede esgoto. Sentados de frente para três homens que trabalhavam sem descanso, os alunos passaram a observar sob-recomendação da professora. Dois deles, com roupas sujas de barro, pés calçados em pesadas botas de borracha e ferramentas rústicas nas mãos. Enquanto um deles cavava um enorme buraco no chão, o outro retirava terra e a transportava para um caminhão. O terceiro homem, vestido em roupas finas, sapatos lustrosos e chapéu de aba, observava e lhes dava as ordens enquanto usava uma caneta em anotações. Recomendando mais força, mais rapidez no serviço e mais capricho.
Após alguns minutos de observação, a professora solicitou que retornassem à classe. Ninguém ousou fazer uma pergunta sequer sobre aquela saída. Ao retomar a aula, a professora vomitou uma enxurrada de perguntas:
“ Vocês observaram bem os três homens que trabalhavam na recuperação da rede de esgoto? Viram como faziam força para cavar e para carregar baldes de terra até o caminhão? Viram como estavam sujos e cansados de carregarem aquelas pesadas botas nos pés? Conseguem imaginar a quantidade de calos e bolhas que devem formar em suas mãos pelo peso daquela marreta? Observaram aquelas feições envelhecidas que lhes aparentam mais idade do que realmente tem? Tem ideia do tamanho das dores no corpo no final de cada expediente?”
Em coro, responderam positivamente a todos os questionamentos da professora. Joãozinho, o mais esperto da turma corrigiu a professora, lembrando que nem todos os homens trabalhavam pesadamente e acrescentou que enquanto dois se esforçavam, um só ficava dando ordens. A professora Matilde então respondeu: “ Não João, eu não me esqueci do terceiro homem. Aquele homem que dava as ordens e com seus delicados dedos segurava uma caneta, era o mesmo que quando criança fazia todas as lições de casa e todas as suas obrigações escolares, hoje é um grande engenheiro e merecedor do lugar que ocupa. Os dois que cavavam o buraco, carregavam terra e obedeciam as ordens, eram os mesmos que esqueciam suas lições e aproveitavam qualquer oportunidade para passear, esquecendo os compromissos.”
“Agora pensem, reflitam e decida qual dos dois exemplos vocês querem para o futuro. Escolham entre usar a caneta ou a marreta, façam uma redação e tragam para a próxima aula.” Finalizou a professora.
 
Renilda Viana
Enviado por Renilda Viana em 16/08/2012
Alterado em 18/04/2017
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