Em boca fechada não entra mosca!
E não é que a professora Matilde resolveu sair da sala de aula e levar seus alunos para uma atividade extraclasse?
Cansada de ouvir que não passava de uma professora tradicional, careta e desconectada do mundo atual. Depois que ganhou um celular de quatro chips e estava toda “moderninha”! Surpreendeu a todos com a última novidade:
_ Estamos na semana da criança, resolvi aderir à ideia das demais colegas e combinamos com a coordenação um passeio, vamos todos conhecer o shopping. Tomaremos sorvetes, comeremos pipoca, visitaremos lojas e o play.
A alegria foi geral. Joãozinho não cabia em si de tanta felicidade. Pela primeira vez a professora Matilde acompanhava as outras classes numa atividade diferente.
No dia combinado a escola estava em festa. Para muitas crianças era o primeiro passeio em um shopping. As meninas se produziram como princesas. Um entre e sai no banheiro feminino tumultuava o pátio, os meninos colocaram sua melhor "beca", ajeitaram com gel um “Neymar” na cabeça e colocaram moedas nos bolsos para garantir o sorvete. A professora Matilde colocou seu vestido de missa, seus colares de pérola, falsas, claro, e sua bolsa de couro de jacaré, também falsa, graças a Deus!
Quando o coordenador chegou para organizar a saída, a turma de D. Matilde já estava impecável, ninguém respirava, qualquer suspiro mais alto corria o risco de perder o passeio. Era uma caminhada curta, o shopping ficava a poucos quarteirões da escola. E lá se foram. Enfileirados pelas calçadas chamavam atenção da população.
_ Que bonitinhos!! _ Diziam.
Pelo roteiro combinado, a primeira visita seria no Play, já estava tudo acordado com a gerência do shopping. Depois de brincar iriam tomar sorvete e comer a pipoca oferecida pela administração. Em seguida, conheceriam um pouco das lojas para se deliciarem vendo o consumismo desenfreado do comércio lojista.
Contudo, quem consegue segurar um roteiro dentro de um shopping diante de crianças enfurecidas pelas novidades? Não deu outra. Mal entraram e a criançada começou a dispersar. Uns correram para lojas de brinquedos, outros entraram no Mac Donald, outros ficaram nervosos procurando suas professoras, foi um caos! A professora Matilde não deixou passar batido.
_ Viram? Quando eu não quero sair chamam-me de tradicional!! _ Não dá para confiar nestas "pestinhas"! _ Resmungava.
Rapidamente pegou seu celular de quatro chips e ligou para a escola para se queixar.
Suas colegas, que se encontravam muito nervosas com a situação, fingiram não ouvir. A esta altura, o Joãozinho já tinha percorrido algumas lojas, já tinha tomado um sorvete e admirava a vitrine de uma loja de joias.
_ Ah! Quando eu crescer darei um anel de ouro para mamãe! _Pensava.
A professora, que o procurava desesperada, o avistou no final do corredor em frente a “ Casa das Alianças”. Aproximou devagar e falou baixinho na orelha, mantendo a classe:
_ Já estão todos no Play, você veio aqui para comprar joias?
João extasiado com a beleza da vitrine nem se assustou.
_ Não, só estou olhando. A senhora não acha bonito? _ Vamos entrar só um pouquinho, prometo que não coloco a mão em nada.
_ Está bem, rapidinho. _ Já perdemos muito tempo com a desobediência de vocês.
Mal entraram na loja ouviram vozes gritando:
_ Todos deitados no chão!! Vamo, vamo, vamo!!!
Era um assalto. Homens encapuzados adentraram na loja de joias, armados até os dentes. Fizeram clientes e funcionários deitarem no chão. A professora Matilde abraçou seu aluno e obedeceu. Enquanto uns recolhiam joias, outros cuidavam dos reféns e recolhiam seus pertences. O bandido aproximou da professora e gritou:
_ E aí tia tem celular? _ Passa o celular!
A professora, com voz embargada respondeu:
_ Eu não tenho celular não moço, não aprecio essas tecnologias.
O Joãozinho surpreso com a fala da professora gritou:
_ Como assim professora? Deixa de ser mentirosa! A senhora tem um de quatro chips!
Bom, como era de se esperar, o bandido enfiou a mão na bolsa pegou o celular e ainda falou uns palavrões que não vale a pena comentar aqui. A professora Matilde, mais uma vez teve motivos suficientes para abolir a modernidade. Ao final do assalto, depois de muito medo, sem os demais frequentadores do shopping sequer terem percebido o ocorrido, a professora se levantou, pegou o Joãozinho pelo braço e voltaram para a escola sem avisar o restante da turma. O menino percebendo que tinha feito uma besteira, resolveu permanecer calado.
Chegando a escola foram direto para a sala de aula. Antes de procurar a direção para falar do ocorrrido, disse para o João:
_ Pegue seu caderno e escreva cem vezes: EM BOCA FECHADA NÃO ENTRA MOSCA.