Um casal como tantos outros, porém, distintos. Ele, um homem sério, excelente advogado e esposo de causar inveja ao mulherio da cidade.
Ela, professora do Ensino Fundamental, comprometida com sua profissão, mulher séria, de costumes tradicionais.
Apesar dos muitos anos de casamento, o casal não tinha filhos. Por opção, provavelmente aguardavam o momento certo para incluir mais um membro na família.
Um companheiro ainda nos moldes “romântico à moda antiga”, não deixava nenhuma data do casal passar despercebida: aniversários de quando se conheceram, de quando se casaram e aniversário da amada, jantar no Dia dos Namorados, uma rosa no dia da mulher, e por aí seguia! Sempre carinhoso, um pouco sisudo, é certo, mas nada que atrapalhasse o seu lado romântico!
Ela, com suas particularidades, aconteceu vezes de espantar-se com um buquê de flores numa dessas ocasiões, “ué, não é meu aniversário, nem nada!” Fabio lhe dava um beijo na testa e lhe refrescava a memória: “nosso aniversário de quando nos conhecemos, amor”! Ambos, davam boas risadas da situação e seguiam suas rotinas. Ele costumava dizer: “te perdoo, afinal, vida de professora não é nada fácil”!
Contudo, a esposa relapsa, lutava para ser mais atenta aos pormenores do seu relacionamento, corresponder o carinho do marido tornou-se uma questão de honra. Para ajudar a corrigir seus lapsos de memória, fez um cartãozinho com as datas, que achava importantes, relacionadas ao esposo dedicado: aniversários de nascimento, da formatura de advogado, do primeiro beijo… pronto, seu imã de geladeira estava feito.
Foi surpreendente, estapafúrdio, inacreditável, quando num dia desses, enquanto ele brindava com os amigos de escritório, como faziam todos os anos, em comemoração a mais um ano de advocacia, a secretária adentra na pequena sala, com um belo ramo de copo de leite e uma caixa de chocolate suíço e vai na sua direção: “para o Senhor”!
Surpresa, risadas e muitas interrogações. Seria uma admiradora secreta? O marido exemplar teria uma amante? Os amigos ansiosos aguardavam a leitura do cartão. “Parabéns, meu amor! Parabéns por ter se tornado o melhor advogado da OAB”! Te amo! Da sua esposa dedicada!”
Dispensa comentários. Aquela foi a maior surpresa em todos os seus anos de casados.
Mas, ela não parou por aí. Olhou nas suas anotações e logo viu que se aproximava o aniversário de quarenta anos do maridão. Caberia na importante comemoração uma presente surpresa de categoria, algo que o deixasse extremamente realizado. O problema é que a mulher não era nada criativa para estas coisas, nos últimos aniversários, o presente, muitas vezes atrasado, não ia além de um par de meias, uma camisa, umas gravatas etc.
Foi aí que resolveu pedir ajuda para as colegas da escola.
O aniversário se aproximava. Foram muitas sugestões: passagens para uma viagem surpresa, uma noite num luxuoso motel, um jantar romântico num restaurante famoso e muitas outras boas sugestões. Porém, nada que causaria o impacto que a Anita queria causar. De repente, uma colega mais atirada gritou: “já sei!”. Todas fulminaram os olhos na professora de ideias geniais. “Fala mulher”! Gritaram em coro.
O plano foi detalhado ponto a ponto, como num roteiro de curta metragem.
Partiu! O centro da cidade a aguarda para providenciar o surpreendente presente. No dia D, como de costume, ele foi trabalhar. Um selinho e cada um foi para uma direção. É certo que o aniversariante foi para seu escritório, já ela saiu da rota e foi direto cumprir a agenda do salão de beleza. Um dia de princesa. Nas primeiras horas da noite, começou a preparar a grande surpresa. Tudo pronto, apagou as luzes e pôs-se a aguardá-lo.
Não demorou, ouve-se o motor do carro na rua de casa. Logo ele percebe algo estranho, tudo escuro, pensou: “essa não, faltou energia de novo?” “Será se esqueci de pagar a conta de luz?”
Estacionou e correu preocupado com a mulher que se encontrava no breu. Subiu as escadas, ofegante: "estou chegando, amor!” Tirou a chave do bolso e enfiou na fechadura.
Porta aberta, automaticamente apertou o interruptor. Surpreendentemente a luz acendeu. Deu de cara com sua pacata esposa numa cena inusitada. Não deu outra. Debulhou-se em gargalhadas seguidas de: “Oh! O que é isso? Meu Deus!” O homem gargalhava tanto que os vizinhos saíram na janela para ver o que acontecia.
Ela, toda produzida num espartilho vermelho, meias pretas rendadas, salto alto, batom vermelho encarnado e tragando um cigarro encaixado numa piteira reluzente, com as pernas cruzadas, recostada no sofá. Uma cena realmente surpreendente. É óbvio que ao ver a porta se abrindo e a luz se acender, ela falou uma frase ensaiada com voz “sedutora de mulher mundana”: "Feliz aniversário, gato”! Frase esta, abafada pelas gargalhadas do aniversariante, que, literalmente, rolava no chão como um gato.
Coitada! Esbravejou, o chamou de grosseiro e de tudo que se possa imaginar no campo dos palavrões. Nada foi ouvido.
Bom, o que não tem remédio, remediado está. Cair na gargalhada com o marido foi inevitável! Rindo muito e desfazendo-se dos apetrechos, arrancando o batom dos lábios com as costas das mãos, rolava no chão com o mais novo quarentão do bairro.
Alguns minutos jogados no tapete e boas risadas, foram cruciais para que camisa, gravata, calça social, espartilho e demais peças que compunham o vestuário de ambos, espalhassem pelo meio da sala. Dois corpos nus completaria o cenário. Foi a melhor festa de aniversário para o excelente advogado e esposo dedicado!
Nos dias que se seguiram, se pegavam um olhando para o outro e desmanchando em gargalhada.
Compreendeu que o melhor presente é a alegria e a cumplicidade que que habita em cada um.
Contam as más línguas, na escola e no escritório, que tanto ela quanto ele, do nada, soltam gargalhas no meio do expediente. Chegaram a recomendar terapia de casal.