Estava eu em mais um dia de treino puxado numa academia feminina dessas que tem pela cidade e têm como objetivo principal proteger o mulherio dos olhos machistas e maldosos. Não é difícil perceber que a maioria ali não está em busca do bumbum empinado nem do abdômen chapado. A pegada é o bem-estar, diminuir os medicamentos diários que entram na vida das sessentonas. Adquirir força e fôlego para continuar com seus afazeres sem precisar ocupar os outros. Neste universo literalmente feminino, a conversa segue solta. Se tem um órgão feminino que fica bem afinado numa dessas academias, é a língua. Falam de tudo, mal, claro! Falam mal do marido, dos filhos, da economia, da religião, da política e tudo mais que der para criar um bom enredo de fofoca. Algumas param o que estão fazendo e engatam um assunto, se for polêmico, aí desanda e ninguém faz mais nada.
Estava ali tentando recuperar o tempo perdido, ou melhor os treinos perdidos, depois de faltar por uma semana enquanto um grupo de três ou quatro mulheres entram no assunto que está em em alta no momento, política. Cada uma defendendo seu affair. Quando no meio do falatório, algumas mais exacerbadas, falavam alto para impor e fazer valer o voto ao seu candidato, ouvi: “se a Esquerda ganhar a eleição vai transformar São Paulo em um Nordeste”! Ops! Que fala interessante! Pensei.
Era claro o cunho preconceituoso e pejorativo naquela fala, mas preferi ver pelo lado que pudesse favorecer esta nordestina que saiu da Bahia por opção, estudou e fez carreira na capital paulistana e volta sempre que pode para curtir as belezas do nordeste. Logo pensei: “se São Paulo virar Nordeste, estarei em casa”. É claro que ela falava disso, trazer a beleza e toda a alegria do povo do nosso Nordeste! Pois a parte ruim, que infelizmente temos por lá, este a Direita já trouxe faz tempo, a seca, a fome, o abandono das áreas periféricas, a saúde precária, a educação de má qualidade, etc.  então, se já temos tudo isso aqui só restou para a Esquerda trazer a parte boa,  já comecei imaginar as ruas e avenidas com muitos coqueiros, uns dez trios elétricos cruzando a Avenida Paulista, redes espalhadas pelo Parque Ibiraquera  para o descanso dos passantes, o rio Tietê transformado numa Jeri ou numa lagoa de Abaeté com um barquinho deslizando pelo espelho d’água enquanto um saxofonista sopra notas musicais de um bolero de Ravel   , uma janela aberta para um pôr do sol atrás das montanhas da Chapada, uma praia branquinha rodeando a represa Billings e todo aquele mau cheiro transformado em fragrâncias de umbuzeiro florido, ah São Paulo como seria bom te ver caitanear! Ter nas noites enluaradas um luau paulnordestino ouvindo o som eclético desse nosso povo animado e arretado! Absorta com os meus devaneios, virei para o grupo e perguntei para a loira: “tu tens certeza do que falou? São Paulo pode virar Nordeste”? Sem entender a minha intervenção na conversa, afirmou: “sem dúvida”! Ao que respondi: “pronto! Já sei em quem vou votar, se eu não vou pro Nordeste, que o Nordeste venha até a mim.”