Numa certa ocasião, enquanto lia o livro "Cartas entre Marias", de Virginia Maria Yunes, para crianças entre 7 e 10 anos, fui surpreendida com a pergunta de uma delas:  
— Professora, na África tem apartamento?  
A pergunta foi devido ao seu espanto ao ouvir a leitura da carta de uma das Marias para sua amiga brasileira, que dizia: “Demorei a responder a sua cartinha porque estamos hospedadas no apartamento da vovó enquanto o nosso, passa por uma reforma.”  
Foi notório o espanto de todos na roda. De fato, a informação não pegou de surpresa somente a criança que fez a pergunta.  
A África que todos conheciam pelos livros ou de ouvir falar não passava de um grande safári, com girafas, leões e elefantes circulando na savana em busca de água. Quando perguntei como elas achavam que viviam as pessoas na África, sem titubeios, responderam que moravam em casinhas de madeira ou de barro, próximas à floresta, e viviam cercadas de macacos vivendo no mesmo ambiente, como animais de estimação.  
Quando perguntei se elas achavam que na África havia pessoas brancas, foram taxativas: NÃO!  
Quando terminei a leitura da carta de Maria, ficou a sensação entre as pequenas ouvintes de que acabara de ouvir uma história carregada de inverdades.  
Senti-me um pouco perdida. Deixei de lado o livro de literatura afrodescendente e corri nas prateleiras para pegar um livro que trouxesse mais informações sobre a África. Um livro didático, desses que são distribuídos nas escolas para o ensino nas aulas de história. Folheei vários; todos traziam a chegada dos negros ao Brasil na época da escravidão. Alguns mais recentes relatavam o apartheid e a prisão de Nelson Mandela, e a grande maioria era repleta de imagens das savanas e seus animais em busca de água, com pequenos textos sobre o clima africano. Lembrei que estudei nesses mesmos livros. Não me recordo com que idade descobri, provavelmente sozinha, a diferença entre África continente e África do Sul. Assim como meus pequenos, eu também acreditava nessa grande savana cheia de leões e pessoas pretas desnutridas vivendo num único lugar chamado África.  
Atualmente, nas escolas brasileiras, acontece o grande BUM da introdução da literatura afrodescendente no cotidiano da criança. Diante do que presenciei, pergunto: de que forma esses conteúdos estão sendo passados? Existe mesmo verdade e compromisso político para com a educação? É de fundamental importância investir na literatura africana nas escolas e em todos os cantos; contudo, há a necessidade de atualizar os livros de história e geografia, sim, mostrar o passado vergonhoso, não da África, mas dos países que importavam pessoas para serem escravizadas, que nos feriu na alma, falar das dificuldades econômicas e políticas enfrentadas pelos africanos, assim como todos os países enfrentam, evidentemente pouco falado. Mas não ignorar o continente africano com seus países, suas diversidades culturais, progressos, riquezas, belezas naturais e seu povo.
É de suma importância conhecer o quintal de casa, onde tudo nasceu, cresceu, floresceu e reproduziu com louvor. Viva a África!  
Como quebrar paradigmas do passado sem mudar as práticas do presente?